Sustentar o céu ou caminhar ao precipício

Atacar os direitos territoriais dos povos indígenas é estar um passo mais perto do fim do mundo. Parece alarmante em uma primeira leitura, mas é um cenário catastrófico que se aproxima, conforme os relatórios do Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas das Nações Unidas. As terras indígenas, que são os maiores locais de segurança climática no Brasil, enfrentam a tese do marco temporal, que prevê que os povos indígenas só teriam direito aos territórios constitucionalmente garantidos se estivessem nele no dia da promulgação da Constituição Federal de 1988. Esta tese tentou se incorporar ao ordenamento jurídico brasileiro pelos três Poderes da República.

No Poder Executivo, pelo Parecer 001/2017, que tornou obrigatória a sua aplicação em toda a administração pública federal. No Poder Legislativo, pela Lei 14.701/23, que tenta instituí-la por meio de lei. No Poder Judiciário, pelo julgamento do caso do Recurso Extraordinário 1.017.365, que teve seu efeito estendido a todos os casos semelhantes por meio do reconhecimento de sua repercussão geral, e que refutou a tese do marco temporal, em favor dos direitos territoriais indígenas; e mais recentemente pela discussão reaberta no julgamento conjunto das Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7582, 7583, 7586, Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 87, e Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 86.

O Parecer 001/2017 ainda não foi revogado, permanecendo em vigor. A Lei 14.701/23 foi criada pelo Projeto de Lei 2.903/23, aprovado em setembro de 2023 pelo Congresso Nacional. O julgamento da repercussão geral no Supremo Tribunal Federal tornou a tese do Marco Temporal inconstitucional, portanto incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro, também em setembro. Em outubro, o Presidente Lula vetou a tese do Marco Temporal do PL 2.903/23, respeitando a Constituição Federal de 1988 e sua interpretação confirmada pela Corte Suprema. Em dezembro de 2023, o Congresso Nacional derrubou o veto presidencial, insistindo em tornar legal o que já foi declarado inconstitucional.

A tese do marco temporal é uma aberração que muito pouco possui de fundamento jurídico. Carolina Santana demonstra em sua pesquisa doutoral como o marco temporal é mais um elo de uma cadeia de argumentos com intenções desconstituintes sobre os direitos indígenas. Seu objetivo é estabelecer um marco arbitrário no tempo em que um povo indígena deveria estar em suas terras, para fazer jus a elas, estabelecendo a data de 5 de outubro de 1988, mesma data da promulgação da Constituição Federal brasileira atual. Em sua tese, Santana analisou os anais da Assembleia Nacional Constituinte de 1987-86, entrevistou ministros do Supremo e deputados constituintes, e analisou processos judiciais de anulação demarcatória. Ao cruzar os dados, fica evidente que a tese do marco temporal não é parte da vontade constituinte.

Sendo os povos indígenas guardiões das florestas e, portanto, do clima, isso significa uma insegurança jurídica que será o fim de um direito constitucionalmente garantido para centenas de terras indígenas que terá efeitos diretos na crise climática. Embora a tese do marco temporal seja inconstitucional em sua proposta, uma vez que o Art. 231 da Constituição Federal determina que os direitos territoriais indígenas são originários – portanto, existem antes mesmo da formação do Estado brasileiro – ela foi usada em muitos casos judiciais para pedir e também justificar a anulação de processos de demarcação de terras indígenas.

Por ser uma tese que coloca em disputa direitos humanos dos povos indígenas e direitos de propriedade — sejam eles legalmente adquiridos ou fraudados por meio de grilagem de terras — houve decisões judiciais que a admitiram e que a refutaram. Em razão disso, o Supremo Tribunal Federal levou um caso concreto para discussão, no qual seus efeitos foram extensíveis a todos os casos semelhantes. Trata-se do Recurso Extraordinário 1.017.365/SC, na qual há um conflito entre o povo indígena Xokleng da Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ e uma fundação pública do estado de Santa Catarina. Em setembro de 2023, esse julgamento foi concluído refutando a tese do Marco Temporal e afirmando os direitos constitucionais dos povos indígenas. A discussão foi reaberta, quando não deveria ser, em razão do julgamento conjunto das ADIs 7582, 7583, 7586, ADC 87 e ADO 86.

As terras indígenas e as Unidades de Conservação são os principais bolsões de segurança climática que temos no mundo. A definição da inconstitucionalidade do marco temporal é necessária não só como respeito ao constitucionalismo brasileiro e à vontade constituinte da Assembleia Nacional Constituinte de 1987-88, como também por uma questão humanitária. Ao julgar o RE 1.017.365, o Supremo Tribunal Federal julgou o maior litígio climático do planeta, considerando o impacto que terá sobre a demarcação de terras indígenas. A Corte Constitucional brasileira teve em suas mãos o caso que definirá, não só o respeito aos direitos fundamentais dos povos indígenas protegidos pela vontade constituinte, mas também se estamos a um passo de sustentar um pouco mais o céu, como diz Davi Yanomami, ou de nos aproximarmos do fim do mundo como conhecemos. Nossa geração é testemunha dos efeitos da crise climática, como observamos ano a ano nos incêndios florestais na Califórnia, nas ondas de calor na Europa, ou na seca dos rios Amazônicos. Cabe agora novamente ao Supremo brasileiro afirmar sua autoridade constitucional e decidir se estaremos mais perto do colapso climático ou se o Brasil seguirá seu papel de liderança global pela proteção socioambiental.

*Lucas Cravo é doutorando em direito pela Universidade de Brasília (2022-atual). Visiting scholar na New York University (2024-atual), como bolsista do programa Doctoral Dissertation Research Award, da Comissão Fulbright Brasil. Mestre em direito pela Universidade de Brasília (2018-2020), com período de visita técnica na Flinders University, como bolsista do Programa de Excelência Acadêmica da CAPES. Graduado em direito pela Universidade Federal Fluminense (2011-2016), com período de mobilidade acadêmica na Universidade de Coimbra. Sócio de Cravo & Santana – Advocacia, escritório de advocacia de interesse público que atua em defesa de direitos socioambientais.

Este artigo foi escrito por Lucas para a edição 160 do boletim do WBO, datado de 4 de abril de 2025. A Brazil Office Alliance é uma rede especializada dedicada a refletir sobre o Brasil e apoiar ações que fortaleçam o papel da sociedade civil e de instituições comprometidas com a promoção e defesa da democracia, dos direitos humanos, das liberdades e do desenvolvimento socioeconômico e ambiental sustentável no país. A WBO atua de forma independente e apartidária, respeitando a diversidade, a dignidade humana, o diálogo inclusivo e com o compromisso com ideias, atividades e políticas baseadas em evidências. 

Clínica de Direitos Indígenas

O AmazoniAlerta, em parceria com a Coiab – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, lançou um treinamento jurídico continuado sobre Direito Indígena para advogados indígenas.

A iniciativa surgiu da percepção de que a demanda por advogados especializados em Direito Indígena tem sido muito maior do que as universidades e cursos são capazes de formar. 

“Até porque as faculdades de Direito não têm essa matéria como uma disciplina, e existem poucos cursos de especialização”, explica Lucas Cravo de Oliveira, advogado da equipe jurídica do AmazoniAlerta que coordena a formação. “Ou seja, essa especialização se aprende na prática,” completa.

Partindo de casos práticos, de grande repercussão ou não, Lucas discute quinzenalmente fundamentos e estratégias do Direito Indígena com um grupo de jovens advogados indígenas ligados à Coiab e ao AmazoniAlerta.

Urgente: Primeira Expedição Revela Invasão na Terra Indígena Uru Eu Wau Wau

Recentemente, realizamos nossa primeira expedição na Terra Indígena Uru Eu Wau Wau, em Rondônia, em parceria com a Associação dos Povos Indígenas Amondawa (APIA). Essa expedição é um marco importante na nossa missão de monitorar e defender esses territórios sagrados. Infelizmente, os achados da nossa jornada são muito preocupantes e destacam a necessidade urgente de vigilância contínua e ação imediata.

Nossa equipe, formada por membros da AmazoniAlerta, APIA, Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e o Batalhão de Polícia Ambiental (BPA), embarcou nesta missão crítica de 9 a 20 de maio de 2024. O objetivo principal era monitorar e documentar quaisquer atividades ilegais que ameaçassem a integridade das terras indígenas e reunir evidências para proteger essas áreas.

Descobertas Preocupantes

Ao explorar as extensas áreas do rio Urupá e da Serra da Porta, encontramos várias atividades ilícitas:

Acampamentos Abandonados por Invasores: Encontramos vários acampamentos usados por invasores. Esses locais estavam cheios de lixo, incluindo resíduos plásticos, garrafas vazias e cartuchos de munição usados, indicando atividade humana recente.

Caça Ilegal: Sinais de caça ilegal eram frequentes. Encontramos animais, especificamente porcos selvagens, presos em anzóis deixados por caçadores, representando uma ameaça significativa para a vida selvagem local. Os animais presos foram removidos e as armadilhas foram desmanteladas para prevenir mais danos.

Operações de Mineração Ilegal: Talvez a descoberta mais alarmante tenha sido a presença de atividades de mineração ilegal. Identificamos áreas onde mineradores montaram operações, claramente violando as proteções da terra indígena. O dano ambiental causado por essas atividades era evidente, com terra destruída e fontes de água contaminadas.

Nossa equipe jurídica está compilando relatórios detalhados com base nas nossas descobertas. Esses relatórios serão submetidos às autoridades competentes, incluindo agências de aplicação da lei locais e federais, para garantir que ações apropriadas sejam tomadas para resolver essas violações. Estamos comprometidos em trabalhar de perto com as autoridades para levar os responsáveis à justiça e prevenir novas invasões nas terras indígenas.

Nosso Compromisso

Esta expedição reforça nosso compromisso inabalável com a proteção dos direitos e territórios dos povos indígenas. As descobertas alarmantes feitas durante nossa jornada destacam a necessidade crítica de monitoramento contínuo e intervenção. Continuaremos a defender essas terras, apoiar as comunidades indígenas e aumentar a conscientização sobre as ameaças que elas enfrentam.

Como Você Pode Ajudar

Seu apoio é crucial na nossa luta para proteger os territórios indígenas. A suas doação nos ajuda a financiar expedições, ações legais e trabalhos de defesa para proteger as terras e os direitos indígenas. Contribua hoje para apoiar nossa missão. Juntos, podemos garantir que a Terra Indígena Uru Eu Wau Wau e outras áreas vulneráveis sejam protegidas para as futuras gerações.

Entre em contato com Nick Hackworth sobre doações: nick@amazonialerta.org

AmazoniAlerta e Coapima assinar cooperação para defender os direitos dos povos indígenas de Maranhão

Coapima (Coordenação Das Organizações E Articulações Dos Povos Indigenas Do Maranhão) e AmazoniAlerta firmaram um termo de cooperação para fortalecimento da incidência em prol povos indígenas do Maranhão.

A cooperação visa unir esforços em pautas prioritárias, destacando-se o monitoramento territorial e a coleta e qualificação de informações para advocacy.

Conheça Jocivaldo Guajajara, primeiro estagiário da AmazoniAlerta

Jocivaldo Guajajara é o primeiro beneficiário da bolsa AmazoniAlerta para estudantes de direito indígena e um estagiário dedicado que está fazendo avanços impactantes no direito indígena.

Por que isso é importante?

Ter Jocivaldo em nossa equipe é um marco significativo. Sua presença e trabalho ressaltam a importância da representação indígena no campo jurídico. Como estudante do terceiro ano de Direito na Faculdade UniBras em Santa Inês, Maranhão, Jocivaldo traz uma perspectiva única e insights inestimáveis ​​para nossos esforços em direitos fundiários e proteção territorial.

A jornada de Jocivaldo com AmazoniAlerta:
🔹Pesquisa e Análise: Realizamos pesquisas cruciais sobre a situação das leis e decretos estaduais no Pará, aprimorando nossas estratégias jurídicas.
🔹Colaboração e Aprendizagem: Participou ativamente de reuniões importantes e sessões de treinamento, incluindo o treinamento de Agente de Monitoramento Indígena, onde se envolveu com diversas comunidades indígenas e desenvolveu ferramentas vitais de monitoramento.
🔹Advocacia e comunicação: elaborou comunicações importantes para autoridades federais, destacando questões em territórios indígenas e defendendo o apoio e os recursos necessários.

 

Temos orgulho de ter Jocivaldo como parte da equipe AmazoniAlerta. Os seus esforços são uma prova do poder das perspectivas inclusivas e diversas na promoção de mudanças significativas. Vamos apoiar e celebrar as contribuições inestimáveis ​​de profissionais jurídicos indígenas como Jocivaldo em nossa missão coletiva de proteger a Amazônia e defender os direitos indígenas.

Apresentando a segunda equipe de Guardiões Ambientais da AmazoniAlerta

Formada por membros da comunidade Amondawa (@povos.amondawa) que residem na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau (T.I.), a equipe trabalha em colaboração com a FUNAI (@funaioficial) para patrulhar e monitorar o território, reunindo evidências de grilagem de terras, outras violações e desmatamento ilegal. Nossa equipe jurídica interna usa essas evidências para pressionar as autoridades policiais a agir e defender a comunidade em vários processos legais.

Temos orgulho de trabalhar com os Amondawa na defesa de sua bela terra natal.

A terra indígena Uru-Eu-Wau-Wau está localizada no estado de Rondônia, Brasil, e situa-se no limite ocidental do chamado “Arco do Desmatamento.” 

This is one of many key ‘frontlines’ in the struggle to preserve the rainforest.

Kari Guajajara, Diretora da AmazoniAlerta, recebe o Prêmio do Departamento de Estado dos EUA para o Anti-Racismo Global

Kari Guajajara, AmazoniAlerta’s Strategic Partnerships Director and Legal Advisor to COAPIMA (Coordination of the Indigenous Peoples of Maranhão), was honoured as a recipient of the inaugural U.S. State Department’s Award for Global Anti-Racism. Kari was one of six civil society leaders from around the world recognised for advancing the human rights of members of marginalized racial, ethnic, and Indigenous communities and combatting systemic racism, discrimination, and xenophobia. Secretary of State Antony J. Blinken presented the awards in Washington on Tuesday 9 August.

Kari, an Indigenous rights lawyer, is native from the Araribóia Indigenous land and belongs to the Guajajara-Tenetehára People, who have been suffering extensive losses of their traditional territories, devastating losses of life, and disruptions of tradition due to contact with non-Indigenous groups.

Oficina de direitos humanos e negócios para mulheres indígenas

AmazoniAlerta, in partnership with Amazonwatch, Anmiga and IPRI Brasil, staged a workshop on “Human Rights & Business for Indigenous Women” on September 8-9 2023 in Brasilia. AmazoniAlerta directors Carol Suntana and Kari Guajajara staged and spoke at the workshop, focusing on issues and subjects that directly impact the lives and existence of Indigenous women, with the aim of strengthening them in their struggle.

AmazoniAlerta contribui com investigação da CIDH em Araribóia

O AmazoniAlerta se orgulha em anunciar sua participação em um peticionamento de medidas cautelares à Corte Interamericana de Direitos Humanos, iniciada pela APIB e pela COAPIMA, para demandar ao governo brasileiro a garantia dos direitos dos povos Guajajara e Awá, da Terra Indígena Araribóia. O AmazoniAlerta contribuiu com evidências reunidas pelos seus Agentes Ambientais.

A petição argumenta que esses povos estão em uma situação de risco e vulnerabilidade no contexto da COVID-19 e que o Estado tem falhado na garantia do acesso à saúde e em proteger seus territórios contra invasões ilegais, particularmente o isolamento do povo Awá.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos é uma instituição autônoma da Organização dos Estados Americanos (OEA), criada para promover a observação e defesa dos direitos humanos nos Estados signatários da Convenção Interamericana de Direitos Humanos. Medidas cautelares são requerimentos por parte da Comissão para que um Estado proteja uma ou mais pessoas que se encontram em risco sério e urgente de sofrerem dano irreparável.

Apresentando o primeiro time de agentes do AmazoniAlerta

Estamos felizes em anunciar o lançamento do primeiro time de Agentes Ambientais do AmazoniAlerta, operando na Amazônia brasileira.

O time, formado por membros de comunidades indígenas e tradicionais, patrulha e monitora áreas dentro de sua zona de operação que são particularmente vulneráveis a invasões ilegais, exploração e desmatamento.

As expedições tem como objetivo: 1. Deter invasores. 2. Iniciar ações legais contra o desmatamento, violações e ocupações ilegais das terras indígenas, por meio da identificação das atividades criminais, reunindo evidências e pressionando autoridades locais e nacionais, bem como agências governamentais relevantes, a tomarem medidas cabíveis.

O time é apoiado pela equipe de advogados especialistas em Direito Indígena do AmazoniAlerta.

Comunidades indígenas e tradicionais da amazônia são as guardiãs mais eficientes da floresta, já que, apesar de serem constantemente invadidas, permanecem sendo as áreas menos degradadas na Amazônia.

O AmazoniAlerta fortalece comunidades indígenas e tradicionais na defesa de suas terras e da floresta e amplia sua agência em sistemas legais e de direitos brasileiros e internacionais.